21 de ago. de 2014

O Caso Arruda

 Professor William é meu amigo, meu professor e havia publicado este texto anos antes, mas acredito ser pertinente pelo período....


                                      

                                                                                           William Carvalho*

         Com o período chuvoso no Brasil, um raio caiu no Buritinga. Raios quando caem provocam incêndio, matam e causam grandes estragos.
         Para uma análise estrutural do Caso Arruda devem ser deixadas de lado as paixões tão usuais na análise de fenômenos políticos no presente.
         Primeiramente tem que se considerar o contexto político do Distrito Federal. Com a nova Constituição, Brasília passou a ter autonomia política, uma questão que até hoje deixa dúvidas sobre tal decisão, pois Brasília não possui autonomia financeira para gerir sua administração, dependendo da União para a suplementação de recursos. Alguns defendem que o Distrito Federal é uma imensa prefeitura, cujo prefeito deveria ser nomeado pelo Governo Federal. Eis o primeiro ponto polêmico.
         Com a autonomia política, Brasília passou a ter 3 senadores, 9 deputados e 24 deputados, ditos distritais.
         Brasília possui também um eleitorado sui generis: de um lado concentra um dos eleitorados mais politizados e informados do país, em boa parte, incrustados nos poderes da República e conhecedores dos bastidores do Poder, mas tem como contraponto outra parcela do eleitorado (maioria) de pessoas de pouco instrução, pouco informadas, consideradas como se vivessem numa região de fronteira dos grotões, ou seja, massa de manobra para todo tipo de manipulação.
         Brasília deu um mandato a um senador que foi o único até hoje cassado pelos seus pares: o senador Luis Estevão.
         Deu também mandatos para dois senadores – José Roberto Arruda e Joaquim Roriz – que renunciaram para não serem cassados. Não se deve esquecer que o Ir. Arruda é reincidente.
         O raio que atingiu o Buritinga deixa um rastro de conseqüências políticas que não podem ser ignoradas. Devem ser evitadas as posições estremas: i) uma visão ultra moralista que critica qualquer deslize dos políticos, por mínimo que sejam, e ii) uma posição de tolerância absoluta para com os pecados mortais dos políticos. 
         O governador Arruda, nosso Irmão, teve em Durval Barbosa o seu algoz letal. Foi pego com a boca na botija e em política, pode-se quebrar centenas de regras sem maiores consequências, pelo menos na nossa cultura desse limiar do século XXI, mas, por outro lado, existem meia dúzias de regras que quando quebradas geram consequências mortais.
         O primeiro ponto de análise sobre o panetonegate deve ser o dos profissionais da política. Assim, como está se comportando a cúpula do DEM? Este partido estava se preparando arduamente para ingressar num projeto de modernização para buscar votos nos grandes centros urbanos e deixar de ser um partido dos grotões do interior. O DEM se prepara para cassar Arruda para tentar sobreviver e não ser colocado no rol dos partidos nanicos.
         Se o mensalão federal, de triste memória, tivesse um Durval Barbosa que gravasse em vídeo suas falcatruas, não seria tão facilmente esquecido e geraria cabeças decepadas nos mais diversos níveis. Durval Barbosa é o novo fenômeno político da atualidade neste caso sintomático, mais uma vez o mundo se queda bestificado perante o Brasil, pois mostra as entranhas mais íntimas de nosso malfadado sistema político. O único vídeo gravado de falcatruas do mensalão do governo federal do PT foi o de Waldomiro Diniz, réu confesso, filmado e gravado achacando um “bingueiro” que, pelo estágio institucional da máquina judiciária no Brasil continua livre e solto. Em países mais desenvolvidos política e judicialmente, ele já estaria atrás das grades a muito tempo. Era, pois, o único vídeo, perdido no meio de miríades de alegações, mas todas sem o vídeo, que é mortífero.    
         Os políticos profissionais do DEM se preparam para decepar a cabeça de Arruda por uma questão de sobrevivência e nesse caso são homens profissionais da política, não movidos só por notícias da mídia e por ingenuidades inerentes aos leigos da política.  Assim Arruda já foi julgado e condenado pelo seus pares.
         Outro ponto de análise deve ser a imprensa. A grande imprensa tem sido incansável em denunciar o panetonegate. O mesmo não acontece com a mídia de Brasília – na sua quase total maioria, dominados por Arruda e Paulo Otávio, como se fosse uma pequena cidade do interior – que, se dependesse dela o caso estaria “controlado”.
         Não se discute se Arruda estava fazendo um governo de realizações. Claro que estava, pois na medida em que contou com uma chapa puro sangue, mais a competência gerencial de seus quadros, Brasília esta prenhe de novas obras, visando a Copa e as Olimpíadas e se preparava para completar suas 50 primaveras. Contudo, isso, per se, não justifica o esquecimento dos graves fatos apontados nas gravações.
         Mais um ponto de análise: a opinião pública. Sabe-se que a grande imprensa pode insuflar a opinião pública, mas ela só pode operar baseada em fatos reais que possam gerar apelos emocionais. Boa parte da moderna opinião pública do Distrito Federal e do Brasil está enojada com os acontecimentos divulgados nos últimos tempos. Se fosse num país mais desenvolvido o caso já estaria encerrado a muito tempo, mas no Brasil as coisas acontecem com mais vagareza. O quadro, contudo, deixa margens a especulação: como Arruda presidiria uma sessão solene de abertura de jogos numa Copa Mundial ou nas Olimpíadas com o estádio cheio com convidados estrangeiros e nacionais? Será que conseguiria abafar as estrondosas vaias?
         Mais um ponto de análise: o jurídico. Pela estágio institucional-cultural da burocracia judiciária no país – que até hoje nunca condenou e prendeu um político por corrupção nos termos aqui analisados – Arruda só seria condenado se no momento do julgamento houvesse uma mobilização grande da opinião pública, caso contrário o caso, com bons advogados, seria lançado para as calendas gregas para posterior esquecimento ou teria uma condenação leve. Eis aí também um fator que deve ser discutido no atual estágio brasileiro: o nível de nossa máquina judiciária, sua lentidão, seu período de férias que segundo o editorial do jornal Estado de São Paulo do dia 9/12/2009 beira a metade do ano, etc.
         Pelo exposto, como fica a Maçonaria em relação ao caso Arruda?
         Tudo vai depender do estágio institucional-cultural da Maçonaria Brasileira. Se a Maçonaria estiver olhando pelo retrovisor deverá deixar o caso prosseguir para posterior esquecimento ou esperar que o tempo dê a solução para o momentoso caso.
         Se, contudo, estiver com os olhos voltados para o futuro, procurando sair das palavras de seus manifestos anticorrupção e iniciar um processo de passar a limpo o Brasil, neste limiar do século XXI, deverá arcar com o ônus de influir nos destinos do país e do Distrito Federal, expelindo Arruda de suas fileiras. 
         A sorte está lançada. Nos próximos meses, veremos se o Brasil está maduro para iniciar um novo período, com reformas políticas que dificultem o atual estágio da corrupção no país. Corrupção existe em qualquer país do mundo, o que diferencia o estágio político de cada país é se, uma vez pegos os corruptos, eles são processados e condenados por uma justiça rápida e eficaz.
         Alia jacta est...

*William Carvalho é o Presidente da Academia Maçônica de Letras do Distrito Federal.